sexta-feira, setembro 06, 2002



Reflexões em Torno do TPI


Por TERESA DE SOUSA
Público, Sexta-feira, 6 de Setembro de 2002



Que Timor-Leste ou a Roménia cedam às pressões americanas compreende-se. Que a União Europeia esteja prestes a ceder é, no mínimo, vergonhoso.

1. Num texto publicado em Agosto, William Pfaff, colunista do International Herald Tribune, classificava de "ridículo e irrelevante" o ultimato apresentado por Washington aos candidatos europeus à NATO: ou subscrevem um compromisso bilateral garantindo que não entregam nenhum soldado americano ao Tribunal Penal Internacional (TPI) ou arriscam-se a ver a sua adesão bloqueada e as ajudas militares suspensas.
Citando Pfaff, "os americanos não vão cometer crimes de guerra em países da NATO e, mesmo que o fizessem, seriam julgados em tribunais americanos. O TPI não teria nada a ver com o assunto."
O mérito do exemplo escolhido pelo colunista do IHT está na extrema claridade que lança sobre o significado real da guerra sem fronteiras que Washington decidiu travar contra o TPI e que parece estar prestes a vencer, uma vez mais. Não se trata, como alguns "ingénuos" pretendem, de um receio justificado de ver o TPI transformar-se numa arma política contra o país que é chamado a resolver todos os problemas mundiais. Não se trata também de considerar "realisticamente" que ainda não há condições ideias para uma justiça internacional assente em princípios universais. Trata-se, muito simplesmente, de uma manifestação coerente do seu novo "unilateralismo imperial", assente num conceito de soberania nacional sem limites que justifica o direito da América a defender os seus interesses em qualquer parte do mundo onde sejam postos em causa, sem qualquer espécie de constrangimento que não seja a sua própria vontade.


2. Talvez em nenhum outro dos inúmeros diferendos que têm oposto os dois lados do Atlântico ao longo da última década - da guerra do aço a Quioto, passando pela recusa americana de assinar quaisquer tratados internacionais sobre controlo de armamento ou à questão do Médio Oriente e do Iraque - seja tão simbólico o contraste entre duas visões do mundo como na questão do TPI.
Para a Europa, quanto mais o sistema de relações internacionais assentar em instituições multilaterais e em normas e regras comuns mais segurança e estabilidade haverá no mundo. É este o resultado da sua própria experiência de meio século de guerras e de meio século de paz. É este o seu conceito de soberania partilhada como a melhor solução para evitar os conflitos e garantir a paz. O TPI decorre desta visão e das experiências bem sucedidas dos tribunais "ad hoc" para a ex-Jugoslávia e o Ruanda.
Para os Estados Unidos o que conta é a sua própria soberania nacional, protegida pela geografia e pelo seu imenso poderio económico, militar e tecnológico, que nunca nenhum poder externo se atreveu a pôr em causa, pelo menos até esse fatídico dia 11 de Setembro de 2001.

3. Depois de ter investido um enorme esforço político e diplomático para criar o TPI, a Europa começa a dar sinais de divisão e de cedência perante a chantagem dos EUA que, agora, se exerce sobre a própria NATO. Que Timor-Leste ou a Roménia cedam às pressões americanas compreende-se. Como é compreensível o dilema dos países candidatos à UE e à NATO, quando se vêem confrontados com uma escolha da qual depende o seu futuro. Que a União Europeia esteja prestes a ceder é, no mínimo, vergonhoso.
A sua credibilidade internacional ficará pelas ruas da amargura, se se verificar este cenário. Será uma tremenda traição a si própria, aos seus princípios, à sua história recente, e será uma traição ao mundo que ainda acredita que pode ver nela um exemplo e uma força de equilíbrio internacional.






salamandrine 11:26



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